Review in Portuguese of O'Brien (2019)

Resenha de livro

Robert O’Brien (2019) Labour Internationalism in the Global South: The SIGTUR Initiative. [Internacionalismo Operário no Sul Global: A Iniciativa SIGTUR]. Cambridge, UK: Cambridge University Press. ISBN 9781108480918. 237 pp. Capa dura $84.84, Kindle $80.60

Revistos por: Ricardo Framil Filho, Universidade de São Paulo, Brazil

[This book review is also available in English in Volume 12, Issue 1 of the Global Labour Journal.]

 

O livro de Robert O’Brien conta a história de sindicatos do Sul Global que estabelecem contatos internacionais em resposta à globalização. O assunto não é novidade e esteve no centro de debates recentes sobre o novo internacionalismo operário, mas essa contribuição merece interesse particular porque oferece uma perspectiva equilibrada sobre controvérsias que há apenas dez anos posicionava estudiosos do trabalho nos campos opostos do otimismo entusiástico e do pessimismo fatalista, um embate que parecia deixar pouco espaço para a nuance. Assim, distanciando do choque provocado por novas tecnologias da informação, redes emergentes e protestos vultuosos ao redor da virada do século, o estudo tem o benefício da análise retrospectiva. O autor não teria sido capaz de aproveitar ao máximo essa situação, porém, sem uma rigorosa, mas inovadora abordagem teórica, que combina conceitos de múltiplas disciplinas, além de um impressionante esforço de pesquisa que, ao longo de vinte anos, conduziu extenso trabalho de campo sobre as atividades da Iniciativa do Sul sobre Globalização e Direitos Sindicais (SIGTUR, na sigla em inglês), uma rede internacional de sindicatos da África do Sul, Austrália, Coréia do Sul, Brasil, Argentina, Filipinas e outros países que, de alguma maneira ou outra, podem ser associados ao Sul Global.

De partida, O’Brien declara sua preferência pela noção de internacionalismo operário ao uso de alternativas populares (“transnacionalismo” é o substituto usual). Longe de ser um detalhe sem maiores consequências, o objetivo é enfatizar que o internacionalismo operário atual é herdeiro de uma “longa e variada tradição”, uma lógica que antecipa a sensibilidade que o livro manifesta ao caráter histórico dos movimentos operários. Muito embora o autor não despreze a importância de outras influências (na realidade, ele critica o “excepcionalismo operário” que separa os trabalhadores de outros movimentos sociais), ele reconhece o peso do passado ao nível internacional, onde organizações trabalhistas há muito foram estabelecidas, mas também aos níveis local e nacional, onde estruturas tradicionais estão igualmente entrincheiradas de forma profunda. Nesse sentido, uma das ideias mais interessantes do livro é o argumento de que um estudo sobre o internacionalismo operário deve estar atento a perspectivas nacionais sobre a questão, e não apenas aos pontos de vista explicitamente globais. Isso é particularmente significativo porque permite que os sindicatos do Sul Global sejam apresentados não como uma força uniforme pelo ativismo internacional, mas como um grupo diversificado e permeado por tendências conflitantes.

Para tratar dessa gama de possibilidades, o autor concebe um quadro original baseado em um “continuum de comportamentos” que respondem à primazia de perspectivas globais ou nacionais, de um lado, e ao enraizamento na economia (produção), no Estado (regulação) ou no reino ideacional (ideias), de outro. Ele chega, enfim, a “uma matriz com seis possíveis posições que cobrem aquelas que focam a produção global ou nacional, a regulação global ou nacional, ideias nacionalistas ou cosmopolitas” (p. 20). Entre as tendências nacionais, encontra-se um Internacionalismo Autônomo que privilegia a produção e as economias nacionais (p.ex. posições desenvolvimentistas); um Internacionalismo Estatista caracterizado pela extensão de preocupações regulatórias domésticas às questões internacionais (p.ex. a defesa de prioridades nacionais em acordos comerciais); e um Internacionalismo Nacionalista que projeta ideias nacionais (p.ex. movimentos de libertação nacional e o imperialismo sindical). Quando se trata das perspectivas globais, da mesma maneira, descobre-se um Internacionalismo Em Rede que enfatiza a interconectividade produtiva global (p.ex. sindicatos globais confrontando corporações transnacionais); um Internacionalismo Globalista focado na regulação internacional (p.ex. a influência e o protesto em relação a organizações multilaterais); e um Internacionalismo Empático baseado na solidariedade internacional da classe trabalhadora (os exemplos apresentados vão de ações na Guerra Civil Espanhola a campanhas correntes na internet). Nisso, a exposição vai muito além do título do livro para apresentar uma ampla consideração do internacionalismo operário ao longo do Norte e do Sul.

     A segunda parte do livro começa por aplicar o quadro das “seis faces” ao estudo da SIGTUR, uma entidade singular, mas diversificada. Essa abordagem é vantajosa, sobretudo, porque evita a inclinação frequentemente encontrada em estudos de caso de focar em exemplos extraordinários em busca da “única e melhor forma” de internacionalização. Pelo contrário, o autor demonstra como perspectivas nacionais e globais foram combinadas na SIGTUR, situação que produziu tensões, mas também intersecções promissoras. Neste ponto, lê-se sobre delegados nigerianos que criticam companheiros da SIGTUR pelo uso de palavras de ordem nacionalistas e sobre líderes sindicais indianos que discordam de aliados sobre normas trabalhistas internacionais, mas encontra-se também a solidariedade entre brasileiros e australianos para combater o trabalho infantil e campanhas globais para libertar líderes sindicais da prisão. Nesta curta resenha, não é possível fazer justiça à riqueza dos relatos apresentados em primeira mão pelo livro, mas o leitor perceberá que o quarto capítulo dá vida aos “seis internacionalismos” anteriormente mencionados por meio de muitos exemplos interessantes.

     Os capítulos seguintes exploram de que forma a SIGTUR promoveu ativamente uma identidade comum e um sentimento de comunidade entre seus membros e examinam as estruturas e o repertório de mobilização da organização. Concebida como uma rede “do Sul” de sindicatos democráticos e militantes, na prática os conteúdos dessa identidade são ambíguos e contestados, o que reflete a diversidade étnica, nacional e política dos membros, terreno que é também perturbado pelas limitações dos próprios sindicatos participantes, que levam para a rede problemas como a falta de representação de gênero característica de um universo sindical majoritariamente masculino. Adicionalmente, argumenta-se que a diversidade de origens e barreiras linguísticas impõem desafios, mas que trocas culturais, a evocação de lutas comuns e o uso de comunicações eletrônicas ofereceram soluções viáveis. Construída principalmente por sindicatos, mas aberta à participação de pesquisadores e ONGs, a iniciativa combinou estruturas tradicionais com o uso deliberado da organização em rede. A SIGTUR também se engajou em uma variedade de campanhas, boicotes e ações de solidariedade, mas é indicado que o envolvimento com mobilizações de base não foi tão central como seria de se esperar de uma iniciativa militante.

     O capítulo final diz que a SIGTUR não foi capaz de atingir todos os seus objetivos, mas sugere que o compromisso de seus membros com a solidariedade internacional em situações diversas é um sinal de que o internacionalismo operário não é um sonho irrealizável. Apesar disso, admite-se que recursos muitos maiores seriam necessários para alcançar resultados mais ambiciosos. Diante de conclusões abertas e cautelosamente otimistas, é tentador apresentar três perguntas que frequentemente aparecem em encontros entre pesquisadores do internacionalismo operário e aqueles que não compartilham desse interesse particular. Primeiro, iniciativas como essas são mesmo relevantes? Não é incomum que cargos internacionais sejam tratados como posições dotadas de algum prestígio, mas quase nenhum poder, e que atividades internacionais sejam vistas como eventos irrelevantes para os trabalhadores propriamente ditos. Segundo, ainda que seja verdade que o internacionalismo tenha tido impactos em certos casos, isso é evidência de um movimento geral ou o resultado de circunstâncias excepcionais? Terceiro, caso se aceite que a ação internacional pode ser adotada em situações diversas, mas com a ressalva de que suas características são influenciadas por diferentes fatores em cada caso, se está lidando com um novo internacionalismo operário ou com práticas similares adotadas por atores que não necessariamente compartilham objetivos comuns?

     O autor reconhece que, na maior parte do tempo, a relevância da SIGTUR esteve restrita aos líderes que participam de suas atividades, mas sugere que certos impactos não são imediatamente aparentes e, além disso, oferece exemplos de ligação com lutas locais, enriquecendo o corpo de evidências apresentado por inúmeras referências citadas no livro. Ele também está atento aos determinantes da ação operária internacional e combina novas ideias com fatores destacados por pesquisas anteriores para apresentar um argumento convincente de que o internacionalismo operário é viável em contextos diversos. No que poderia ser uma resposta às duas primeiras perguntas, portanto, o livro apresenta uma análise abrangente do estado da arte da pesquisa no campo, o que é desenvolvido ainda mais com um quadro original e um estudo de caso notável.

O que distingue a contribuição de O’Brien, porém, é uma resposta convincente à terceira pergunta, possivelmente a mais difícil entre as três. Ao conceptualizar internacionalismos operários plurais sem perder de vista seu enraizamento histórico, material e político, o autor demonstra, como ele bem coloca, que o internacionalismo “não é tudo ou nada”. Sobreposições entre diferentes perspectivas nacionais e globais não devem ser descartadas como inadequadas. Isso não significa que o internacionalismo deve ser visto como inevitável (e certamente não uma forma específica do fenômeno), mas implica que, em um mundo globalizado, a decisão de não recorrer à ação internacional é sempre uma escolha, por mais constrangida que essa escolha possa muitas vezes ser. Compreender tais escolhas, e como elas se relacionam com a agência operária através de múltiplas escalas, tem valor para além do mundo dos sindicatos globais e das redes internacionais. A relevância do livro de O’Brien será evidente para pesquisadores e ativistas interessados pelo internacionalismo, mas suas conclusões são úteis também para um público maior, e talvez sejam particularmente proveitosas para aqueles com a impressão de que os debates sobre o internacionalismo operário têm pouco a dizer sobre o trabalho em sentindo amplo.

 

NOTA BIOGRÁFICA

Ricardo Framil Filho é doutorando em Sociologia na Universidade de São Paulo. Seus interesses de pesquisa incluem globalização, trabalho e movimentos sociais. [Email: framilfilho@gmail.com]